domingo, 18 de novembro de 2018

O equívoco de Erasmo...

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Foi o Renascimento - a bem da verdade tivemos uma sucessão de RenascimentoS - um período de descobertas.

Uma delas dizia respeito ao paganismo antigo, ao paganismo greco romano, cujo conteúdo intelectual/doutrinal era mínimo e que por isso mesmo ignorava as controvérsias religiosas e suas consequências, muitas vezes amargas.

Outra a realidade do Cristianismo antigo, mormente após a associação entre a Igreja e o Estado. Fazendo sua aparição - alias necessária - em tão deplorável contesto, controvérsias Cristológicas, não poucas vezes, convulsionaram o Império.

Na medida em que os Imperadores e reis, motivados por razões de ordem política, aspiravam a uma Unidade religiosa forçada, controvérsias, que a princípio eram benéficas a fé degeneraram em conflitos civis, motins ou mesmo guerras.

Foi um triste espetáculo... o das guerras ou embates religiosos.

No entanto Jesus dissera - Amai-vos e não armai-vos... Como buscara promover a tolerância e a paz.

Os humanistas, que eram antes de tudo Cristãos devotos, buscando por esta paz, por esta harmônia e por esta concórdia, deram com elas no paganismo. Pelo simples fato de que o paganismo a um tempo não era revelado e a outro não falava ao intelecto por meio de formulações doutrinárias.

De tal constatação brotou a percepção segundo a qual a preocupação com a Verdade ou a própria formulação doutrinária seria já nociva, já ociosa, e que Jesus preocupara-se exclusivamente com a Ética ou seja com o comportamento humano. Destarte foi a ortodoxia doutrinal substituída pela ortopraxia...

E devemos compreender inclusive que até então a Ortopraxia havia sido sacrificada a Ortodoxia doutrinal e o aspecto marcadamente Ético do Cristianismo obscurecido por questões de ordem teológica. E como os homens amam os extremos, ao tempo da Renascença, o ponteiro virou para o lado oposto... supervalorizando a prática e depreciando o caráter teórico ou credal da instituição Cristã.



Erasmo e seus pares concluíram que ao invés de disputar a respeito de minúcias ociosas, como a cor das asas dos anjos, deviam os Cristãos concentrar-se no que é essencial, assim no amor ao próximo, no cultivo da virtude e na prática das boas obras. Quem ignora por sinal que os Cristãos mais ignorantes, parvos e tontos acusam-se uns aos outros de heresia a pretexto de qualquer discordância tolerável ou opinião inocente - Assim se você não se pronúncia a respeito da querela entre Constantinopla e Moscou, se há ou não anjos da guarda, se as canonizações são ou não infalíveis, etc E estão sempre prontos a berrar: Herege e a intimidar os outros...

Imaginem então os séculos XIV ou XV???

Disto resultou uma espécie de desprezo face aos elementos da fé e seu significado assim a formulações credais ou teológicas.

Erasmo foi um dos que avaliou enfaticamente tais assuntos como ociosos ou perniciosos, insistindo marcadamente na necessidade de buscarmos viver a mensagem do Evangelho com simplicidade e não podemos duvidar de que fosse sincero. Assim as discussões ou polêmicas doutrinais exasperavam-no... Isto a ponto dele desestimular qualquer preocupação mais séria em torno dos elementos da fé, para insistir na vivência.

Assim quando apareceu Martinho Lutero, enunciando doutrinariamente a inutilidade das obras e levantando uma controvérsia doutrinal de importância crucial para a vida Ética; ele, Erasmo, não foi capaz de aquilatar-lhe o valor e de atalhar no momento oportuno, quando ainda era quiçá possível atalhar o movimento protestante. E quando percebeu a importância do momento, cinco anos depois, e optou por interferir já a Reforma estava firmemente consolidada, a ponto dele, Erasmo, ter de abandonar sua querida Basileia (1529).





O aspecto mais interessante desta 'cena' é que Lutero, tendo-se exercitado na doutrina - de Agostinho - tornou-se hábil no sentido de atacar os fundamentos da Ética Cristã, declarando a prática das boas obras ociosa ou desnecessária. E por meio desta falso doutrina influenciou negativamente não milhares mas milhões de pessoas, iniciando-as numa fé puramente teórica, acomodada e descomprometida com o mundo.








O que quero dizer com isto é bastante simples. Pessoas são influenciadas pelas doutrinas ou teorias em que acreditam. Assim uma doutrina que promova as obras ou a ação poderá servir de fundamento a uma vida excelente, enquanto uma crença ou teoria que deprecie a prática poderá produzir as mais funestas consequências no âmbito da vida vivida, tornando as pessoas acomodadas e insensíveis.

Afirmando a doutrina forense da redenção vicária ou da dupla justiça, obtida pela fé somente Lutero excluiu a necessidade de praticar boas obras tanto a priori ou seja antes da justificação, como a posteriori ou seja como fruto da justificação, pois ele sequer acreditava que fomos justificados pela fé para as boas obras, mas que jamais triunfamos do pecado ou podemos cessar de pecar. Com isso desvinculou as obras ou as ações humanas da esfera religiosa e a fé religiosa do mundo material...

Desde então os que nele acreditaram perderam por completo noção de Lei Cristã, enfim de uma Lei promulgada pelo próprio Jesus Cristo, da qual temos exemplo no Sermão do Monte, particularmente nas Bem aventuranças ou no capítulo vigésimo quinto de S João, ou mesmo na narrativa do Jovem rico. Convencido de que não poderia Deus exigir de nós o que não podemos cumprir negou Lutero, resolutamente que Cristo Jesus fosse Legislador e que seu Evangelho corresponde-se a uma Lei. E em que pese nosso homem ter negado o óbvio ou algo que salta a vista, no momento em que ele levantou a controvérsia os poucos homens geniais que poderiam te-lo atalhado, avaliaram também aquela controvérsia - como todas as outras - como frívola.

E o resultado paradoxal foi que fugindo a controvérsia por priorizar a 'vida ética' ou a praxis, Erasmo e seus pares, ao menos a longo prazo acabaram na verdade, desamparando a doutrina sinergista da Ética e em última análise favorecendo a afirmação da doutrina soli fideísta. Por outro lado, caso tivessem entrado de imediato na controvérsia teórica e impugnado Lutero com base na palavra de Cristo, teriam a longo prazo favorecido a prática das obras.

Conclusão: O supremo equívoco de Erasmo foi subestimar o quanto as doutrinas, teorias e crenças são capazes de influenciar as vidas das pessoas.

Devemos assim valorizar tanto a doutrina ou a teoria quanto as obras ou a prática, sabendo que ambas são igualmente impontes. Destarte a teoria sem a prática mostra-se vã. As obras sem a fé vulneráveis. A aliança entre a teoria e as obras absolutamente perfeita.

sábado, 17 de novembro de 2018

A passagem do estado social para o político

Desde que os dominicanos e jesuítas levantaram a questão sobre qual fosse a condição natural dos seres humanos, antes que fossem levados a criar a vida política inúmeras respostas tem sido fornecidas sendo a mais conhecida ou clássica a do contratualismo divulgada pelo pensador suíço J J Rousseau em meados do século décimo oitavo.

A bem da verdade Rousseau, ao contrário dos estoicos e de parte dos humanistas jamais chegou a conceber o homem como uma criatura isolada ou como um ser vagante que em determinado dia optou por associar-se a outros homens formulando um contrato social. O termo é inexato ou enganoso. Rousseau admite que o homem surge já como animal social e portanto que não cria a sociedade por meio de um contrato. Sabe ele no entanto que a convivência produz conflitos, o que o faz avaliar negativamente este convívio social. Socialmente o homem não tem paz e sossego, por isso estabelece um contrato que limita as liberdades individuais e estabelece uma Sociedade Política com senhores, súditos e leis positivas.

É a formulação que ele dá ao contratualismo em 1762 posto que Grotius, Hobbes e Locke já haviam divulgado a tese.

Antes deles os jesuítas empregavam terminologia distinta com que exprimir um conceito similar pois postulavam um 'assentimento geral'.

O problema diz respeito justamente ao que existia antes ou sobre como os homens viviam em estado de sociedade natural.

E não é difícil imaginar que viviam em pequenas comunidades familiares as quais chamamos clãs. A autoridade aqui era biológica ou exercida pelo Pai e/ou pelos familiares mais velhos num contesto familiar, quiçá recorrendo a costumes e tradições. Também não podemos excluir, a priori, algum tipo de autoridade procedente da religião... a qual era certamente arbitrária ou oportunista. Certo é que não havia qualquer instância política em termos de uma autoridade natural que não fosse biológico/paterna ou episodicamente religiosa.

Via de regra eram tais comunidades pequenas porquanto nômades, ao menos até o advento da agricultura. Não tinham a preocupação de transformar o ambiente ou sequer meios para tanto e por isso acompanhavam o movimento da comida ou melhor da caça. E conforme a seca, as chuvas ou as estações se iam transferindo de um lugar para outro.

Desde que a agricultura é inventada tais comunidades estabelecem-se e certamente aumentam de tamanho. Surgem o que poderíamos chamar de aldeias, mas se mantém a estrutura biológico/familiar, a qual inclusive torna-se matriarcal e assume formas sui generis.

Agora qual a condição destes homens?

Desde Suarez, passando por Grotius, Locke, etc muito se tem falado na fruição da liberdade ou da autonomia deste homem primitivo e portanto de sua satisfação. Se bem que Hobbes e Rousseau tenha mencionado o atrito, o conflito, o choque, etc quiçá exagerando um pouco, no caso de Hobbes. Pois já estas sociedades matriarcais e agrícolas não eram caçadoras e guerreiras como as do passado distante. Claro que ainda haviam sociedades nômades, caçadoras, guerreiras e patriarcais espalhadas pelo mundo afora, 'causando' como se diz atualmente...

No entanto a vida política num contesto urbano mais largo, surgirá, é claro em culturas de larga tradição agrícola, sedentária e quiçá matriarcal e nem poderia ter sido diferente.

Então é sobre este homem inserido nas pequenas comunidades agrícolas tradicionais que nos perguntamos. E sobre sua vida, suas condições...

Obtendo quase sempre uma resposta em torno de liberdade.

Esta visão das culturas primitivas ou de tradição familiar é totalmente equivocada. Duas coisas atormentavam aqueles homens - Primeiramente um universo religioso caótico e arbitrário dominado pelo Tabu. O qual é magnificamente descrito por S Freud em Totem e tabu. Outra questão a ser considerada é posta por Nisbet quando declara que as comunidades familiares eram sufocantes, ao menos para os membros mais jovens, devido ao controle das tradições. Havia tabus religiosos e tradições familiares a serem observados. Não era um clima de idílico de liberdade.

Que teria alterado tais condições?

Natural que a fertilidade de certas regiões próximas as margens e deltas dos grandes rios tenham passado a concentrar uma população cada vez maior, somando clãs, aldeias, vilas e criado as primeiras unidades urbanas.

Suponho, e é apenas para dar uma pincelada de romantismo... Que não poucos jovens tenham deixado suas comunidades de origem ou fugido e buscado instalar-se em tais sítios.

Num determinado momento alguém ou alguns tiveram uma percepção altamente revolucionária, isto a nível de ideia e de técnica.

Caso as pessoas se aproximassem umas das outras e trabalhassem juntas podiam transformar o meio numa escala bem maior e assim de aumentar a produção agrícola, alcançando algo além da mera subsistência i é juntando excedentes. Claro que excedentes de alimento, aquele tempo, significava o que para nós dignificam petro dólares ou coisa parecida.

A simples ideia de transformar o meio numa tal escala e de obter suprimentos em abundância foi o que serviu para aglutinar aquela gente toda.

E é exatamente aqui que entram Hobbes, Rousseau e a Política ou o surgimento das primeiras sociedades políticas num ambiente urbano.

Pois esta ampliação do convívio não podia deixar de produzir ou de potencializar o que chamamos de conflito. Assim, o sentido das primeiras sociedades políticas foi gerenciar situações de conflito, agressão, violência... impedindo que se generalizassem e assumissem as proporções pintadas por Hobbes. Provavelmente jamais atingiram, justamente porque nossos ancestrais, prevendo o que poderia acontecer constituíram a Sociedade política, mais para evitar o conflito generalizado do que para soluciona-lo.

Foi apenas neste momento que HOMENS QUE SEMPRE VIVERAM EM SOCIEDADE - e jamais isoladamente - por meio do mútuo assentimento estabeleceram um contrato, a partir do qual abriam mão da autonomia individual para passar a viver sob a tutela da Lei ou seja de um regulamento comum. Já se congregavam em assembleias familiares ou tribais há centenas de milhares de anos... pelo que foram capazes de estabelecer uma assembleia urbana e de acordar.

Assumiu este primeiro Estado político uma forma monárquica constituindo um soberano ao qual delegaram poder?

Difícil responder a esta pergunta.

A antiga figura do decano familiar, o prestígio do sacerdote e a necessidade de especialistas que coordenassem os trabalhos de drenagem e irrigação... Tudo faz supor a quase que imediata afirmação do rei. O qual no entanto - A menos que sua origem tenha sido e onde tenha sido, religiosa - deve ter exercido suas funções juntamente com a sucessora da assembleia tribal e predecessora das cortes e parlamentos. Ademais nem poderia este poder político emergente, deslocar por completo a velha sociedade biológico/familiar, a qual veio apenas a sobrepor-se.

Enfim, dado que nossos ancestrais tenham delegado poder a reis, é extremamente duvidoso que estes - salvo num contexto religioso determinado - tenham açambarcado o poder todo, por completo, fazendo-se absolutos. A menos que afirmado a partir da religião e escorado no poder das divindades, o processo porque surgiram as primeiras monarquias absolutas deve ter sido bastante lento. Assim quando o Egito é unificado por Narmer as cidades existiam já há dois ou três mil anos e o mesmo se pode dizer da Suméria, onde até Sargão e Naram Sin, não gozaram os reis de um poder divino ou mesmo absoluto.

Quanto ao mais, lamentavelmente, nada podemos saber a respeito desses reis, líderes ou chefes primitivos. Mas eu adoraria saber se podiam ou não ser depostos pela comunidade, ao menos em alguns casos... No Egito antigo, mesmo depois de se terem convertidos em deuses vivos ou em filhos do Sol podiam os faraós serem depostos desde que não cumprissem com sua parte no 'contrato' ou seja mantendo a ordem do mundo, assim as cheias e as estações... Desde que este controle não funcionasse bem, sucedendo-se cheias, secas ou calamidades ao menos os senhores feudais - Senão elementos do próprio povo - chegavam a rebelar-se (Nos três períodos intermediários) questionando o poder e a legitimidade do Faraó reinante... E isto pode apontar para tradições mais antigas e consistentes em termos de questionamento da autoridade.

Eis o quanto temos a registrar sobre tão interessante tema.

Lei natural, inatismo, racionalidade, evolucionismo... Buscando decifrar o enigma da Lei Natural

Distinguiam os escolásticos quatro tipos distintos de Lei:


  • Lei eterna - A própria divindade enquanto Lei para si mesma e para o universo, o que engloba a lei natural extra humana.
  • Lei divina - A vontade Ética de Deus revelada através de sua humanidade assumida em Jesus Cristo ou do Santo Evangelho.
  • Lei natural - A instância da consciência que por via da razão informa-nos sobre os fundamentos do bem e do mal.
  • Lei positiva - As leis promulgadas pela autoridade externa ou política.


A lei eterna, no que diz respeito a ordenação do universo conhecemos através da ciência, no que diz respeito a vontade de Deus, conhece-mo-la por meio da Revelação do Evangelho, de modo que a lei divina, no que concerne a vontade de Deus para nós, corresponde a mesma lei eterna.

A respeito da Lei positiva somos informados por meio das Constituições e decretos do poder público.

Agora como conhecemos a lei natural?

A pergunta é de suma importância caso tenhamos em mira ou significado propriamente político da Lei natural.

Pela qual a esfera do político desprende-se da esfera religiosa e ganha autonomia própria além de um estatuto secular e pluralista que serve de base ao liberalismo pessoal.

Para tanto devemos considerar que por si só o judaísmo,, o islã, o xintô e outras tantas formas religiosas jamais levantaram o problema, jamais afastando-se do pensamento teocrático. É verdade que o atual Estado de Israel, assimilou até certo ponto este ideário produzido no 'Ocidente', o qual, sem embargo não foi produzido num contesto judaico ou mesmo muçulmano, mesmo se considerarmos a mutazila. Por isso acho fundamental perquirir a respeito de como tal ideário veio a formar-se e em que contexto religioso.

Onde e como pela primeira vez surgiu a noção de duas esferas distintas: Religiosa e Política? Pois mesmo na antiga Grécia a distinção fez-se problemática.

Quero ressaltar ainda um sério problema que só encontra solução em termos de uma Lei natural.

Para ela convergem a um tempo a opinião, paulinista, de Lutero e a de Maquiavel, para o qual a posse do poder político é um fim em si mesmo.

E já começo dizendo que a Sociedade Política, além de ter seu fim imediato que é o convívio harmonioso ou a solvência do conflito possui fins mediatos e conexos quais sejam a fruição da vida virtuosa neste mundo e o acesso ao Sumo Bem após esta vida.

Seja como for, que tem Lutero e a ver com Maquiavel?

Já o veremos e quando compreendermos saberemos, que as soluções 'políticas' do biblismo - protestante/calvinista/pentecostal/carismático - e do ateísmo/materialismo conduzem ao mesmíssimo lugar comum, ao qual não podemos chegar.

Temos de ser enfáticos - O protestantismo foi em todos os sentidos um retrocesso político. Pelo simples fato de atrelar a política a Bíblia e destarte, favorecer uma noção ou teocrática ou cesaropapista e assim absolutista. E se Maquiavel constrói seu modelo absolutista independente, a partir do relativismo, do subjetivismo e do ceticismo, Lutero constrói o seu a partir de Paulo ou do texto clássico de Romanos 13 ( Cf Skinner 297 e 348) o qual será retomado por todos os reformadores protestantes, a exaustão.

O retorno a uma política Bíblia cujas raízes chegam ao rabinismo e cuja consequência é a mais deletéria das servidões, deu-se e só podería ter-se dado através do protestantismo e por isto Figgis - cf História do absolutismo - poderá declarar que sem Lutero não teria existido um Luis XIV... E se tal afirmação lhe parece abusiva, continue acompanhando-nos amigo leitor.

E compreenda que embora, para qualquer pessoa inteligente e bem formada, Paulo seja Paulo e não Jesus, para a maior parte dos protestantes - (e a parte mais ignorante dos papistas) - que endossam a doutrina da inspiração plenária e linear - tudo quanto Paulo escreveu é Palavra de Deus. Assim as opiniões que ele Paulo emitiu e que tomou aos rabinos, como Gamaliel, são encaradas por eles como sagradas e inquestionáveis e assim o texto de Romanos treze, onde Paulo declara que o governante, seja ele que for, foi designado pelo próprio deus, sendo uma espécie de ministro seu.

Temos aqui não apenas ensaiada, mas claramente expressa a bizarra doutrina do direito divino dos reis. Os reis e governantes, sejam bons ou maus, são lugar tenentes do próprio deus, quiçá não menos que os Bispos sucessores dos apóstolos. Assim o mesmo deus que comissiona Pedro para impugnar as crenças e vícios de Nero, comissiona Nero para crucifica-lo de cabela para baixo. O mesmo deus que convoca os mártires a servi-lo constitui Diocleciano para massacra-los...

E se você perguntar ao querido Lutero porque o 'bom' deus constitui Neros, Domicianos, Dioclecianos e Maomés inclusive - para destruir a Cristandade... Ele te dirá - recorrendo ao 'mimoso' Agostinho é claro - que o bom deus assim procede com o objetivo de punir os pecados do povo ou de castiga-lo e que o mau governante é como uma punição ou penitência imposta por deus...

E ficamos a nos perguntar sobre que terrível pecado teriam cometido os apóstolos e a santa Igreja de Jerusalém para terem sido brindados com um Nero ou o que os piedosos Cristão de Roma, presididos pelo piedoso Clemente, teriam cometido para fazerem jus a um Domiciano... Ou o que fizeram aqueles que eram já mártires há gerações para terem merecido um Diocleciano. Enfim que fizeram os grandes Padres e os Cristãos do século IV para terem merecido a benção de um Maomé??? Nem perguntarei sobre que pecados teriam produzido um Gêngis, um Temerlão, um Hitler ou um Staline...

Uma coisa é absolutamente certa e notória (Releia Figgis) das injunções e opiniões nada evangélicas e tampouco Cristãs de Paulo, conclui Lutero, que o Cristão deve ser antes de tudo um súdito conformado ou um capacho do governante e que jamais lhe é permitido resistir ativamente a um governante, lutar contra ele ou depo-lo sem pecar e merecer o inferno. Todo homem sedicioso ao levantar-se contra o mau governante, revolta-se contra deus que o enviou como penitência ou castigo dos pecados.

O tirano, o déspota, o ditador, o monstro coroado, sempre deve ser obedecido, salvo se determine algo mau. Neste caso é lícito apenas desobedece-lo e consequentemente fugir, ou aceitar pacientemente o castigo imposto, sem jamais rebelar-se. É a doutrina da desobediência passiva mas tarde apresentada por Thoureau como desobediência civil.

Claro que apenas um povo indigno e vil acataria semelhante doutrina. Mas foi acatada, ao mesmos por algum tempo, em nome da Bíblia. E foi a partir dela que Bodin, Erasto, Tiago, Filmer, Hobbes, Maxwell, Bossuet e outros construíram suas doutrinas absolutistas.

Maquiavel chegou as mesmas conclusões por via totalmente distinta. Como não acreditava nem na Revelação nem na Lei natural ele não pode conectar a instituições política a uma finalidade ética que é a promoção da vida virtuosa. Jamais cogitando em qualquer coisa para além da vida política ele encarou a vida política como fim que se esgota por si mesma. Podendo defini-la como a arte de manter-se no poder e de conserva-lo a todo custo.

Chegou assim ao formalismo ou estruturalismo político crasso. Sancionando o comando de um sobre todos ou a tirania.

Maquiavel tomou esta via por descartar a noção de Lei natural enquanto fundamento da vida Ética, sentido destinado a comandar e a articular todos os setores da atividade humana - assim a religião, a política, a economia... Não havendo qualquer tipo de lei natural destinada a regular a vida virtuosa, Maquiavel tomou a Ética - e com mais razão as moralidadezinhas - por pura convenção, atendo-se ao quanto restava de concreto: As estruturas de poder e seus mecanismos.

Os luteranos jamais foram acessíveis a qualquer tipo de argumentação racional nos termos de uma lei natural, a qual sabiam estar - ao menos em parte - na dependência de Aristóteles e do paganismo antigo. Afinal Lutero, como agostiniano, retomou o dogma maniqueu da corrupção total da natureza humana, dando por certo que havia alterado nossas capacidades racionais ou perceptivas - o que nos levará a Kant, que era luterano... Houvesse ou não uma lei natural, seu funcionamento não estava no acesso das criaturas decaídas, as quais só podiam esperar socorro da divina Revelação e da graça.

A bem da verdade esta desconfiança face a capacidade racional ou natural do homem representa uma tradição agostiniana jamais perdida de vista no Ocidente e decididamente retomada e mantida pelos Franciscanos - em oposição aos dominicanos (Aquino fora pioneiro em incorporar o aristotelismo a teologia dando origem ao que chamamos 'via antiqua') - até desembocar na 'Via moderna' com Occan e enfim com Biel. Lutero, como agostiniano, bebeu nestas fontes irracionalistas e tornou-se inimigo implacável da escolástica dominicana.

Excluídas, a razão, a Lei natural e enfim, a tradição apostólica, tudo quanto lhe restou foram as sagradas escrituras as quais ele apelou decididamente, não nos termos calvinistas de um Corão ou com ênfase no Antigo testamento, mas, desastrosamente, com ênfase em Paulo e não no Evangelho. Por meio de Paulo ou do Paulinismo os elementos judaicos ou rabínicos opostos ao Evangelho obtiveram situação de destaque - assim a doutrina fetichista de governo exposta em Romanos treze - e o segundo passo, dado em Genebra, foi mergulhar de cabela no antigo testamento, o que por sinal representaria uma mudança significativa em termos políticos, mesmo quando não fora saudável.

O que quis dizer aqui, e seguindo Ribadaneyra e Possevinus é que Lutero e Maquiavel se bem que partam de princípios ou valores não apenas distintos mas francamente opostos tem seu ponto de encontro na negação ou no desprezo pelo que conceituamos como Lei natural enquanto critério Ético racionalmente deduzível.

Não saímos disto no momento presente. Pois temos a um lado a multidão dos biblistas irracionalistas e fanáticos com seu apelo insistente a uma política Bíblia ou a leis bíblicas ao menos em torno da moralidade senão da fé e a outro os ateus e materialistas afirmando já o conceito problemático de liberdade positiva - como se a liberdade fosse um fim em si mesma - já uma democracia meramente formal ou estrutural, infensa aos princípios e valores essenciais sobre os quais assentam-se os direitos da pessoa humana, e o corolário desta negação face a ética humanista, é um comprometimento servil face as exigências do mercado ou da ordem capitalista.

Colocando as coisas noutros termos, mas claros talvez: Pelo moralismo ou puritanismo de matiz bíblico, insuflado pelos fanáticos podemos chegar a algo pior do que o absolutismo assumido por Lutero. Pois a via calvinista - fundamentada no antigo testamento - do mesmo modo que o islã sempre pode descambar em teocracia, ideal que os calvinistas irredutíveis transportaram de Genebra, a Londres, de Londres aos EUA e enfim ao Brasil, espaço cujas deficiências em matéria de educação são bastante conhecidas... Já o oportunismo da via formalista, representativa ou sem espírito, sempre poderá resultar numa infidelidade que reverta em tirania ou numa opção preferencial pelo liberalismo econômico, sempre que este se veja ameaçado por um liberalismo político nos termos de uma democracia mais popular ou social.

Sem dúvida devemos compreender que não podemos esperar um verdadeiro compromisso com a 'sacralidade' da ordem democrática por parte de pessoas que não assumem os princípios e valores democráticos como essenciais nos termos de uma Lei natural ou de uma ordenação divina. Destarte a única forma capaz de conter já a avalanche teocrática que se avoluma e ao mesmo tempo de insuflar autêntica vida nessa cadáver que é a democracia formal é resgatar o velho porém sadio conceito de Lei natural. Todavia, para tanto, faz-se mister reformula-lo, desvinculando-o de qualquer solução inatista. É o quanto pretendemos fazer na segunda parte deste ensaio - Oferecer uma teoria de Lei Natural não inatista, ao menos em termos de conceito.








Domenico theotokopuli; El greco... Era homossexual? Art coletado, original Espanhol




Créditos: Mariano Serrano Pintado




"El Greco, por su abundante obra y peculiar naturaleza, es el pintor que mayor bibliografía ha producido, y del cual se han escrito más hipótesis y teorías, tanto sobre su pintura como de su vida y personalidad. Sin duda una de las más peregrinas y excepcionalmente recurrente es la que especula sobre su masculinidad. Es decir, se pregunta si el Greco era homosexual.

Sabemos que nació en el año 1541 en Candía, capital de Creta, la mayor isla del archipiélago griego. En Creta aprendería a pintar y, cuando se le considera maestro, a los 25 años, se trasladada a Venecia donde, probablemente, trabajó en el taller de Tiziano. Luego, tras su hipotético paso por algunas ciudades italianas, se establece en Roma con 30 años, inscribiéndose en la Academia de San Lucas como «maestro del arte de la pintura de imaginería», para poder ejercer y contratar. En 1577 llega a España atraído por la decoración del Escorial de Felipe II, para quien trabajaban artistas italianos. Cuando viene a Toledo con el encargo de trazar y pintar el retablo de la iglesia de Santo Domingo el Antiguo, tiene 36 años. Está soltero, pues no se conoce documento alguno que acredite el haberse casado, y le acompaña un joven llamado Francisco Preboste, apellido italiano, nacido según Camón Aznar en 1555, por tanto de 22 años. En el pleito del Greco con el Hospital de Illescas en 1606, sobre el cuadro de la Caridad, éste, nombra a un procurador y a Francisco Preboste «de nación italiano» como su representante. Por tanto, Preboste se uniría al Greco en Venecia o Roma, como aprendiz, criado o amigo, y se mantuvo a su lado hasta su muerte que debió producirse alrededor de año 1607, pues a partir de dicha fecha deja de figurar en los documentos del pintor. Preboste, a su muerte, tendría 52 años y El Greco 66. Este inseparable compañero habría estado junto al Greco más de 30 años compartiendo su vida y trabajos como criado, ayudante, representante, colaborador íntimo, hombre de confianza y, sobre todo, amigo. A lo largo de todo este tiempo, no deja de figurar en los distintos documentos de la época. Ente otros: como testigo en 1585 para el contrato de arrendamiento de las casas del Marqués de Villena; en 1597 otorgando un poder, junto con el Greco, para el cobro en Sevilla de «todas las imágenes de pintura y lienzos que ha dicha ciudad habían enviado»; en 1599, de nuevo como testigo, en el contrato del retablo de la Capilla de San José; en 1600, con poderes para cobrar el retablo Dª María de Aragón en Madrid.

Jesús Sánchez Luengo en su libro «Los enigmas de Dominico Theotocopoulos El Greco», nos narra como el Greco, recién llegado a España, presencia en el Escorial la ejecución de la sentencia a un joven de 24 años, hijo de un panadero, acusado de sodomización a dos niños de diez años. Seguramente no habría tal sodomización, sino juegos homosexuales del muchacho con los niños.

Sabiéndolo el Rey, mandó prenderlo y juzgarlo. Confeso y reo, a pesar de pedir clemencia, fue sentenciado a morir en la hoguera. Este veredicto y su ejecución pudieron condicionar al Greco a su llegada a España y hacerle adoptar el resto de su vida cierta discreción en sus exteriorizaciones, como exigía el puritanismo de Toledo, ciudad famosa por los autos de fe celebrados por el Santo Tribunal de la Inquisición a judíos, moros y sodomitas.


Cumpliendo un año de su estancia en Toledo, tiene un hijo con Dª Gerónima de las Cuevas,mujer misteriosa de la que se han escrito infinidad de teorías sobre su muerte y condición. En un estudio que publica Julio Porres, basado en el censo por Parroquias en el Toledo de 1561, descubre entre los habitantes de la calle de Azacanes a una «Jirónima cuebas», único vecino llamado así entre los once mil y pico que censaron. Aventurando este autor la siguiente e interesante relación: «El barrio de la Antequeruela no tenía muy buena fama entonces, pues muy cerca de la calle Empedrada, próxima esta a la de Azacanes, registra el censo a «Polonia cortesana» y a «dos vecinas cortesanas», y en el mismo barrio estableció la mancebía pública, junto a la muralla, el corregidor Gutiérrez Tello, antes de 1576, quienes sus razones tendría para ello». Cuando nace su hijo, el Greco tiene 37 años y permanece soltero, no conociéndosele otra relación amorosa que la mantenida con una mujer de origen incierto (ya hemos visto como el barrio donde residía no tenía muy buena reputación). Su familia, los Cuevas, eran de origen moriscos, afirma José Gómez Menor, o judíos conversos según otros autores y, en cualquier caso, con la cual, de no haber fallecido, posiblemente nunca se hubiera casado. Diversos estudiosos del personaje, justifican su muerte tras el parto o en fechas muy cercanas a él. Muy bien pudo este hijo conciliar al Greco con la estricta e intransigente sociedad católica de aquella época.

Gregorio Marañón en su obra «El Greco y Toledo», resalta el aspecto intersexual de los desnudos pintados por el Greco. Desnudos oníricos en los que es difícil diferenciar si son de mujer o de hombre, casi siempre masculinos, de no caracterizarles el gesto más que la forma. «…y que subsisten a lo largo de su obra, con sospechosa obsesión». Se detiene a considerar, este autor, el «sentido intersexual» de los diferentes desnudos y continúa: «Hay que consignar que estos desnudos intersexuales, que aparecen en los sueños de muchos hombres jóvenes o maduros, corresponden a una persistencia de vivencias prepuberales en las que el sexo está aún indeterminado». Con una llamada fuera de texto, explica Marañón: «Me apresuro a aclarar que estos desnudos intersexuales nada presuponen respecto a la normalidad sexual de El Greco; y lo digo porque Somerset Maugham, un tanto ligeramente, sugiere que el gran pintor fuera lo que en su tiempo llamaba el mujeriego Lope de Vega «un traidor a la Naturaleza», es decir, un sodomita.» Efectivamente, los ángeles del Greco, según su definición, son bellos jóvenes a los que se les puede asignar ambos sexos.

Somerset Maugham en su libro Don Fernando, dedica un extenso capítulo al Greco y su época, en el que dice: «No hace mucho tiempo leí la sugestión, hecha con espíritu mezquino, de que el Greco era homosexual. He considerado que valía la pena meditar este punto. Por lo que respecta a la obra de un artista, carece en absoluto de importancia enterarse de su vida sexual.» Para continuar más adelante: «Ahora bien, no puedo dejar de preguntarme si lo que veo de fantasía torturada y de siniestra extravagancia en la obra del Greco, no puede ser debido a una anormalidad sexual como ésta.»

Hemingway, en una personal apreciación de que el Greco pintaba figuras con rasgos y formas andróginas, en su libro «Death in de aftenoon», con su acostumbrada insolencia le tacha, groseramente, de homosexual.

Jean Cocteau, desde su manifiesta condición de invertido, habla de las implicaciones homoeróticas de los retablos del Greco, resaltando lo que hoy entenderíamos de tipo homosexual.

Decía Freud: «Una posible dualidad de sexo enriquece a los artistas capacitándoles, en mayor medida, de sensibilidad para captar y expresar la belleza». Nadie como el Greco ha sabido utilizar las manos de sus figuras, haciéndolas protagonistas de la elocuencia, unas veces, o convirtiéndolas en motivos ornamentales, otras, como poéticas metáforas.

Y para terminar, lo que es incuestionable y todos los autores coinciden, es en el gran cariño que el Greco profesó a su hijo Jorge Manuel, de quien no se separó durante toda su vida, cuidándole y protegiéndole con la mayor ternura y cuidados, para suplir a la madre que nunca tuvo. Casado Jorge Manuel, siguió viviendo en la casa de su padre. Le dieron un nieto, Gabriel, que proporcionó al Greco una gran felicidad y consuelo en su vejez, y al final de su vida murió en los brazos de su hijo. Solamente un espíritu tan singular, único y sublime, pudo pintar esa obra maravillosa e imperecedera que Dominico Teotocópuli Greco, nos dejó."

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Estabilidade civilizacional, tendências predominantes, ritmo histórico e conflito

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Não conhece nem busca a História leis gerais, pois sua tarefa consiste em identificar as causas imediatas de cada fenômeno ou evento particular. O sentido, a direção, o ritmo, as tendências, as 'leis', o processo Histórico enfim é perseguido pela Sociologia. O que os antigos chamavam providência podemos chamar de leis sócio/históricas ou melhor dizendo de tendências predominantes. Afinal tais leis não atuam de maneira estritamente mecânica ou absoluta como as leis físicas ou naturais, são flexíveis até certo ponto, conhecendo certo grau de indeterminação tendo em vista a ação livre do elemento humano ou melhor as modalidades de ação e interação que são 'infinitas'. A História ou melhor a sociedade humana, a cultura... possuem certamente um ritmo, uma dinâmica, uma frequência; mas não exata ou inelutável. Tinha plena razão W Dilthey ao substituir o paradigma da previsibilidade pelo paradigma da compreensão.

Justificar pertence a ideologia ou a moralidade. Prever a física ou a química. A História buscamos descrever e compreender. E através dela compreender o caminho percorrido pelas diversas Sociedades e pela cultura, em busca de alguns elementos comuns. Não se faz Sociologia geral sem História embora a Sociologia busque certo nexo genérico entre fenômenos que estão dispersos. Abstrai assim do tempo e do espaço, mas, para tanto, deve utilizar-se da História e da Geografia e alimentar-se delas.

Possui a dinâmica Social certas leis gerais desde que compreendamos o termo Lei de maneira 'lata'. Por isso recomendo o emprego do termo tendências predominantes. Claro que a natureza da cultura tem direções bem definidas, as quais podemos, com o devido cuidado esboçar.

Antes de tudo quero abordar o tema da Estabilidade civilizacional e das Crises, o qual faz-se tão premente em nossos dias. Para tanto vou socorrer-me de um Filósofo da História e de um Sociólogo aos quais atribuo o mérito de terem desvendado o segredo da Esfinge; assim Toynbee e P Sorokin, os quais juntamente com F de Coulanges, M Weber e R Nisbet, tenho em conta de geniais.

Constatou Sorokin a generalidade do conflito - quem disse que o conflito não existe ou que nada move? - envolve quase sempre culturas cujos valores antitéticos podem ser definidos como Materialista ou Idealista. Uma cultura em crise é basicamente uma cultura cindida entre valores materiais e ideais ou indefinida; bem como uma cultura fechada, seja materialista ou idealista. A Estabilidade civilizacional ou o 'brilho' corresponderia a uma síntese entre os dois 'sentidos' ou a uma equilibração. Em torno do que poderíamos chamar Realismo. O Realismo tenderia a conciliar a razão e a experiência, o psíquico e o biológico, o mental e o corporal ou físico, a religiosidade ou a fé na vida futura e a ação na vida presente, a Transcendência e a Imanência... Assim a prática da ginástica e dos esportes com o ideal da Kalokagathia, a Ciência e a Filosofia, a técnica e a ética, formando um todo harmonioso, e bem se vê o quanto este ponto de equilíbrio deva ser difícil de ser obtido. Via de regra move-se a Sociedade de um extremo a outro, tal o 'sentido' das crises.

E se o conflito de valores existe dentro da maior parte das Sociedades mais desenvolvidas, devemos considerar um outro tipo de conflito, existente entre diversos padrões de civilizações estáveis e mais ou menos estáveis ou mesmo não estáveis. Segundo Spengler o atual conflito entre o Islã e o Ocidente, remontaria a situações de conflito de conflito anteriores travadas entre a cultura persa e a cultura greco/helenística, a cultura romana e a cultura judaica, a civilização Cristã bizantina e o islã, a civilização Cristã Ocidental e o islã, enfim a civilização Ocidental contemporânea e o islã... Teríamos aqui o prolongamento de um choque milenar de culturas. Noutras palavras seria o islã herdeiro ou legatário do judaísmo antigo ou mesmo do zoroastrismo (o que é discutível - esta última assertativa) enquanto que os Catolicismos - devido ao conceito de Encarnação - seriam em parte legatários do paganismo antigo. Daí o conflito entre as duas tradições: Da transcendência pura e da Transcendência/Imanência.

Sucede no entanto que nossas construções sociais, raramente atingiram o necessário equilíbrio. A exceção do século IV, do século IX, do século XIII e do século XVII, em que conheceram-se aproximações, o ideal de civilização Católica jamais concretizou-se, frustrando-o - A queda do Império romano no século V, o advento do Islã no século VII, o advento do neo paganismo no século XIV, o advento da pseudo reforma, do capitalismo e das culturas de morte a partir do século XVI. Tais eventos tornaram o ideal de civilização Transcendente/imanente inexequível. Para além disto o próprio Catolicismo - seja Ortodoxo ou latino - deixou-se contaminar, poluir e obscurecer sucessivas vezes pelo neo platonismo sob as mais diversas formas, assim do agostinianismo, do palamismo, do zwinglianismo, etc E afastando-se do Eixo da Encarnação, perdeu sua consciência, tornando-se descarnado e confluindo para o judaísmo e o islamismo, facilitando inclusive a dispersão ou a conversão...

Hoje acima de tudo acha-se o padrão de civilização Ocidental cindido entre opostos, em luta e portanto em crise. O que se sucede desde que o protestantismo e seu 'filho' adotivo, o capitalismo, assumiram a direção de nossas sociedades. No protestantismo ortodoxo ou luterano temos uma fé ou religiosidade desvinculada do mundo material e totalmente idealista. No Capitalismo uma praxis naturalista, materialista, anti ética e anti Católica. No americanismo uma síntese monstruosa entre a religiosidade descarnada ou maniqueísta e a praxis capitalista, em oposição a valores humanistas e autenticamente Cristãos ainda presentes nas antigas sociedades europeias, assim como o sentido comunitário, o ideal de bem comum e uma doutrina social normativa.

Entre os vestígios da civilização Católica ainda presentes numa Europa colapsada e os ideais da pseudo civilização Norte americana ou americanista de origem protestante ou calvinista pautada no que chamam 'bíblia' ou antigo testamento, com sua moralidade individualista, grosseira e vulgar, vai um abismo imenso. E este conflito se torna ainda mais agudo nas sociedades latino americanas, onde entram ainda outros conteúdos culturais,  que o americanismo não pode aceitar ou compreender. Pois devemos ter em conta que para os puritanos recém chegados da Inglaterra, faziam os naturais deste continente as vezes de perversos cananeus votados ao extermínio.

Se os portugueses e sobretudo os espanhóis trazem a este continente recém descoberto um ideal de Cruzadas ocidentais, desconstruído pelo clero em Valadollid 1551, os puritanos do Mayflower, em 1648, trazem para este continente um ideal sectarista construído face as permanências do Catolicismo europeu, num clima de fanatismo e ódio contra Bispos, cruzes, torres e sinos... Tal e qual os Padres do século quarto tomaram por meta ou modelo social o Evangelho ou a lei de Jesus Cristo e os teólogos medievais do Ocidente a 'Cidade de Deus' de Agostinho - e já se percebe a queda do ideal... os calvinistas tomaram a peito criar uma Sociedade bíblica nos moldes da torá ou do antigo Israel... Daí a necessidade imperativa de satanizar e de aniquilar a cultural anterior ou nativa, segundo os ensaios que já haviam feito nos cantões Católicos da Europa...

Privada de conteúdo Cristão tradicional ou Católico ou de conteúdo nativo, implementaram os puritanos no Norte um ideal de Civilização protestantes que buscam, desde então vender ao mundo como legitimamente Cristão e impor as demais partes da América, conforme a doutrina do destino manifesto. Não apenas a América latina mas agora ao mundo como um todo como forma de legitimar o sistema Capitalista do qual tornou-se colaborador ativo ou servidor, pelo simples fato de que o protestantismo ortodoxo faz muito pouco caso das obras ou da ortopraxia. Mesmo os Catolicismos, posteriormente instalados neste 'solo virgem', tem se deteriorado muito facilmente e perdido sua consciência nesta atmosfera culturalmente tóxica, e tendem inclusive a exportar este Catolicismo negociável, flexível, morno, acomodado... face as necessidades do Mercado ao mundo inteiro, como se fosse produzido por encomenda.

Por isso não temos mais uma civilização Ocidental, unida e coesa, como no século XIII, mas uma sociedade cindida em torno de valores extremistas, como um espiritualismo descarnado e um materialismo insensível e cruel, os quais não se excluem, necessariamente. Em torno de permanências representadas por valores autenticamente Católicos, mesmo quando secularizados, como o socialismo, o ecologismo, etc E em torno de rupturas dramáticas como como a centralização política, os nacionalismos, o odinismo, o capitalismo, etc Vivemos um tempo de desencontro e contradição. A "Era da incoerência."

O que nos torna vulneráveis face a um islã relativamente coeso em torno do velho espírito fetichista e do padrão idealista ou descarnado de pensamento. O islã pode não ter atingido a equilibração civilizacional em termos de cultura, pelo simples fato de afirmar um deus absolutamente transcendente e apartado do universo material, mas fornece a seus adeptos, em termos de cultural, um padrão coeso ou não fragmentado. O ocidente deixou passar diversas oportunidades de equilibração e estabilidade social, até, por meio do protestantismo, do capitalismo e sucessivas culturas de morte, chegar a beira do abismo. Parte de nós zomba da fé ou da divina Revelação e da vida Ética que dela decorrer, embora nossas instituições todas e nossa cultura tenham sido postas sobre tais fundamentos desde tempos imemoriais e ante cristãos, uma vez que os Catolicismos dão continuidade a tudo quanto havia de nobre e excelente no paganismo antigo, fazendo com que remontemos a Platão, Sócrates e Aristóteles.

Ao repudiar preconcebidamente o Catolicismo estamos repudiando os fundamentos mais remotos da nossa identidade e para compreender o que estamos a fazer caberia ler - Coulanges, Dawson e Butterfield... Sociedade alguma subsiste fundamentada no ar, no vácuo ou no espaço. Uma sociedade completamente desarraigada de sua cultura ancestral não se mantém e por isto dizemos que os Catolicismos muito preservaram da cultura pagã ancestral quando o mundo antigo, por vício estrutural, ruiu fragosamente e veio abaixo. Foi um naufrágio e não fosse a presença do Cristianismo Católico experimentaríamos uma regressão tal como jamais fora vista em toda História, podendo quiçá, impugnar as constatações de V G Childe.

Quero dizer ainda que o neo paganismo, o materialismo, o ateísmo e mesmo o ceticismo ou a incredulidade, tal e qual nos tempos antigos nada produziram de relevante em termos de cultura refinada e já se disse que tais ideologias tem se mostrado estéreis nos domínios da Estética, o qual costumam depreciar. E quando se sabe o que esta tal arte moderna, psicologista... temos mais uma esfinge decifrada. Já quanto a ética bem poderíamos dizer que as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, não por coincidência. O ateísmo e o materialismo refletidos jamais fogem ao utilitarismo, ao relativismo e ao subjetivismo... e são co relações epistemológicas necessárias. Por esta via jamais se chega a uma noção de Lei natural e assim ao essencialismo Ético em torno a alguns valores universalmente estáveis como o Bem, a Verdade e a Beleza - Digo algo a respeito deles... Para o cientificista ou positivista de nossos tempos Estética e Ética são palavras desprovidas de significados ou vazias, 'flatu vocis' enfim... Isto quando a própria razão e mesmo a própria experiencialidade não nos desamparam e encaminha ao nihilismo.

Nem fé, nem razão e nem mesmo a experiência.Nada fica restando de estável... Como construir ou manter uma civilização neste terreno? Tudo isto é resultado da dissolução, não algo positivo ou construtivo. Civilizações se constroem com afirmações fortes e ousadas em termos de princípios e valores. O protestantismo e suas sucessivas e múltiplas 'evoluções' privou-nos de tudo isto. Tornando-se o indivíduo centro da fé, e em seguida da razão e da experiencialidade, até que vieram a todas a morrer, pelas mãos do individualismo, imoladas!!!

Até aqui o conflito... Vivemos uma época de intenso conflito!

Devo dizer por fim, com Toynbee que a identificação de uma dada Sociedade com essa síntese harmoniosa e rara chamada realismo, não ocorre de qualquer maneira mais através da mimesis. Pois se faz necessário que após ter sido elaborada por uma elite intelectual, pensante ou dirigente, a solução de equilíbrio seja assumida por cada um de seus setores, inclusive pelos mais baixos ou pelas massas correspondendo a um eixo coordenador, capaz de integral todos os cidadãos, qual fossem um só corpo animado por uma só alma. Claro que essa assimilação de valores ou de cultura pressupõem antes de tudo uma organização educacional eficiente. A assimilação da cultura depende sempre da transmissão... Assim sendo uma Sociedade que aspire estabilizar-se deverá disseminar ou fixar determinados princípios e valores comuns por meio da educação, atingido verticalmente cada um de seus estamentos ou mesmo de seus membros.

Caso tais valores empolguem e inspirem os membros mais ativos e  produtivos de cada esfera, este vínculo produzirá a estabilidade e promoverá a civilização, desde que tais valores, como já dissemos, representem um são realismo em torno de necessidades espirituais e materiais ou de demandas psíquicas e biológicas de modo a contemplar o homem por inteiro. Caro que esses momentos de mimesis em torno de uma construção teóricas equilibrada ou realista serão raros e breves na História da pobre humanidade e não uma constante, pelo que conheceremos certamente mais e maiores períodos de crise. Ora também o ser humano em fase de crescimento ou o adolescente conhece períodos de crise e ambivalência... Por isso não nos devemos amedrontar, caso isto aconteça também com as diversas culturas ou com a humanidade de modo geral, apenas, como disse Guicciardini, deplorar o fato de vivermos nós em tais épocas - Como durante a eclosão da reforma protestante, a queda de Constantinopla, a expansão do islã, a queda do Império romano, os cem anos posteriores a morte de Alexandre, a Atenas conquistada pelos espartanos...

Talvez, como Platão, vossa genialidade seja estimulada pelas condições adversas... Assim enquanto prevalece a crise, procedais como os entomólogos buscando compreender e identificar cada faceta do processo histórico ou do ritmo conhecido pelas sociedades. A cada um dos que tiveram a paciência necessária para ler este artigo faço votos de boa sorte! Que possais, vós e vossos filhos, ver dias melhores!



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Foi Maquiavel maquiavélico?

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Sem dúvida alguma é o florentino Nicolau Maquiavel (+1527) objeto de uma das principais polêmicas no que diz respeito as Ciências políticas, a Sociologia e a Ética. Calcule-se o fragor desta controvérsia pelo número de refutações com que brindaram o príncipe após Innocent Gentilet (1576)... Até Frederico, o grande, passando por Solorzano, Ayala e inumeros outros.

Seja como for todos tivemos de ler 'O príncipe' nos bancos da academia e de ouvir a interpretação de Benedetto Crocce vulgarizada por Chabod (1958).

Conforme dizem tais autores pugnava Maquiavel pela autonomia do político face a moralidade Cristã convencional. Ficava assim o florentino sendo um 'bom garoto'...

Mais razão assistia a Cassirer (1946) quando apresentou Maquiavel 'Cientista ou técnico da vida política', o qual procedia como um entomologista ou classificador de formas... De fato Maquiavel evoca, antecipadamente, as fúrias do positivismo ou do cientificismo, empirista ou materialista. Na medida exata em que importasse apenas com as estruturas e despreza ou minimiza não a 'moralidade Cristã' mas todo e qualquer tipo de Ética... inclusive a ética racionalista dos antigos gregos. Ele certamente devia encara a ética tal e qual a moralidade ou seja como mera convenção...

E se expressa com bastante clareza: "Assim o principado não desejará empregar aqueles métodos injustos e cruéis que REPUGNAM A QUALQUER COMUNIDADE, não somente a Cristã, MAS QUALQUER UMA FORMADA POR SERES HUMANOS." não no 'Príncipe' mas nos 'Discorzi...'

O que esta em jogo não é a moral - de fato convencional e até tola - mais judaica do que Cristã e a autonomia da vida política face a este tipo, peculiar de moralidade. O que esta em jogo é a Ética como um todo. A Ética racional e humanista de um Sócrates ou de um Platão. A simples ideia de um direito ou de uma lei natural. Nada há de novo debaixo do sol, apenas os papéis se invertem e agora é Creonte que arrosta Antígona...

Tudo quanto existe são 'razões de Estado', assim o direito puro ou positivo, acima de toda convenção.

Outro erro comum cometido por tantos quantos leem apenas O príncipe com exclusão dos 'Discorzi' é imaginar que - no Príncipe - o florentino esta apenas sendo realista e apresentando a política do tempo, tal qual era, ou seja, sem falsos moralismos.

Tudo no Príncipe é tão crú que acabamos fazendo a volta do parafuso e supondo que Maquiavel - a bem da verdade um republicano convicto (Quentin Skiner) - limita-se a descrever o que é um principado monárquico, tirânico ou despótico. Reduzido o príncipe aos termos de uma monarquia ou de uma ditadura Maquiavel não podia deixar de estar certo... Então o que ele pretendeu foi isso mesmo e apenas isto: Descrever sem atenuantes o que foi ou era o regina da Signoria...

E podíamos ficar nisto... Caso não tivéssemos examinado sua outra obra igualmente clássica sobre as Décadas de Tito Lívio, isto é, os 'Discorzi'...

Do qual extraímos o fragmento acima... que bem se encaixaria no Príncipe. Pois o Maquiavel, o autor, é o mesmo.

A bem da verdade não acreditamos que Maquiavel fosse republicano ou democrata. E tampouco despótico. Tudo quanto ele objetivava era a unificação de sua querida Itália. Assim os fins empalideciam face aos meios... os princípios face aos instrumentos... Com efeito - "Certas ações condenáveis podem ser justificadas graças a seus resultados, e quando o resultado for bom... fica justificada a ação." Discorzi... ' Primeiro Discurso. E exatamente aqui que Maquiavel justifica o fratricídio. Como todos sabem Rômulo, mítico fundador da cidade de Roma, assassinara seu irmão Remo. O florentino diz mais ou menos assim: Ok, tudo bem, Rômulo matou Remo, mas não cometeu crime algum pois tinha em vista o bem da república... "Ele merece ser desculpado... pois quis garantir a segurança da nova cidade." tais suas palavras e se fosse um matricídio ou um parricídio não seriam outras. Afinal o valor supremo não é a família ou a reverência para com os mais velhos mas a conservação da cidade!

A propósito, quanto a Maquiavel não ser nada em tempos de forma ou regime político é sabido que escreveu O príncipe e dedicou-o ao vitorioso Lourenço imediatamente após a queda da República que até então servirá, visando, obviamente alguma colocação. E isto soou tão mal que ele chegou a manipular sua correspondência e o próprio texto do livro para fazer supor outra data mais recuada... Não deu certo. O Médici jamais confiou nele... Assim sendo, alguns anos antes do levante que derrubou os Médici, em 1527, visando uma possível colocação, compôs os Discorzi - certamente tentando passa-los por mais antigos do que eram. Inutilmente, porque os republicanos vitoriosos bem conheciam seu oportunismo. Não tardou a desesperar-se e a sucumbir, descendo a tumba.

Maquiavel sempre mudou de lado e buscou compor-se com os vitoriosos tendo em vista uma possível obtenção de cargos ou seja por amor ao poder.

Não me parece que fosse qualquer coisa. Embora seja certo que desejasse a unificação da península, fosse sob a forma republicana ou sob a forma despótica. Seu sonho era o ressurgimento do antigo Império romano... Neste sentido foi o predecessor perfeito de Mussolini.

Certamente que não se pode ser agressivo, belicoso ou odinista sem sacrificar a ética. Por isso Maquiavel risca-a de seu caderno... Não a moral cristã convencional, a qual certamente não amava e sequer olhava com simpatia, mas uma simples ética racionalista e humanista nos termos de um Sócrates ou de um Platão. Por isso esta ele tão próximo do cientificismo contemporâneo com suas pretensões anti éticas, do positivismo e, consequentemente do direito puro e de Mussolini... Admitido que nada haja em termos de essencialidade e que tudo seja mera convenção, como deixar de curvar-se reverente face ao Leviatã, seja seu sobrenome 'razão de estado' ou 'vontade geral'. Afinal a pessoa nada é... E nem se pode levar a tese segundo a qual cada um possa fazer tudo quanto queira... Pendendo o prato da balança ao estado ou a sociedade, e sem contra peso. O homem desaparece... É esmagado pelo príncipe, pelo líder, pelo ditador, pelo déspota, pelo soberano, pela comunidade... Creonte manda supliciar Antígona e tudo fica por isso mesmo. E ai de Tirésias caso ouse abrir a boca - Hobbes e Maquiavel amordaça-lo-ão... E como Fisher de Rochester ou o divino Morus irá ao cadafalso...

Enfim, lido em sua completude Maquiavel parece mesmo maquiavélico e só nos resta declarar que Gentilet, Solorzano, Ayala e outros quiçá mereçam ser lidos com um pouquinho mais de atenção ou complacência...

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

E Gibbons, Maquiavel, Guicciardini - O Catolicismo e a queda do Império romano




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Cristãos há, Católicos por sinal, que ficam abalados face a declaração de Gibbon segundo a qual o Cristianismo - das obras é claro e portanto Católico - foi o grande pivô ou responsável pelo colapso do Império romano. Já ao tempo de Gibbon esta tese escandalizava a muitos...

E no entanto já havia sido esboçada com maestria pelo neo pagão Nicolau Maquiavel. Claro que Maquiavel encara o Cristianismo na perspectiva do pacifismo tolo, e não podemos negar que durante toda sua História o Cristianismo contou com um grupo de pessoas que se identificava com este tipo de mentalidade, quiçá predominante em alguns períodos. Mesmo estabelecida a distinção necessária entre não violência - ideário distinto do ideário Cristão - e não agressão Maquiavel haveria de manter suas críticas... Afinal o que constituiu a República não foi uma violência defensiva e portanto eticamente justa e socialmente admissível, mas um instinto agressivo ou belicoso.

Aqui Maquiavel foi genial - Pois de fato o Cristianismo autêntico nada tem de agressivo ou belicoso. Faz emprego social da violência apenas para defender-se e manipula-o com prudência e cuidado. Os pagãos ou romanos tinham inclusive deuses guerreiros... Para eles o ataque, a agressividade ou a conquista era algo absolutamente natural e assim o domínio e a opressão. Assim o que era virtude cívica para os antigos romanos é vício ou pecado para os Cristãos.

Quais haviam sido e eram os fundamentos sociais inamovíveis do Império e responsáveis por sua estabilidade social e econômica?

Em primeiro lugar e antes de tudo a guerra. A princípio defensiva, ao menos na Península itálica, onde os latinos viviam cercados por povos aguerridos e conquistadores. Posteriormente, após a unificação da Itália, agressiva ou de conquista, visando ampliar o território. Do que resultou primeiramente a conquista de Corinto e Cartago em 146 - assim a incorporação da Grécia e do Noroeste da África - e em seguida a conquista da Síria, da Palestina e do Egito - esta em 31 a C - fechando o circuíto do Mediterrâneo.

A guerra no entanto não era um fim em si mesmo mas via de acesso a pilhagem e a obtenção da mão de obra, que eram os escravos. Os escravos, ao menos após as conquistas de 146, estavam na base da produção romana ou seja da economia do pais. Generalizado o emprego de escravos na produção, o trabalho tornou-se vergonhoso ao homem livre além é claro de desvalorizar-se... Desde então avolumaram-se as massas ociosas, devendo ser sustentadas pelo Estado... Pois os senhores de Roma temiam que a fome fizesse com que elas se amotinassem.

Desde que o Império cessou de crescer após a derrota de Teutberga, no começo do século primeiro desta Era, cessaram as guerras de conquistas. A única exceção deste quadro foram as Ilhas britânicas. Sendo assim a obtenção de escravos ficou na dependência da procriação e de possíveis rebeliões internas como as duas revoltas dos judeus, a de 70 e a de 134, as quais aqueceram o mercado de escravos e a economia do Império. A partir de 134 todavia, com a quase total cessação de conflitos internos, a obtenção de novos escravos tornou-se muito difícil. E para agravar a situação já grave a estrutura social, política e jurídica do império facilitava a emancipação dos escravos, de maneira que ano após ano o número de libertos ampliava-se e o número de escravos minguava.

Isto por si só já era preocupante. Imagine então o aparecimento de uma ideologia religioso cujos membros mais destacados e fiéis eram anti escravistas e defendiam a abolição??? Claro que haviam Cristãos e em grande número que defendiam a manutenção da relação amo e escravo, mas numa perspectiva religiosamente igualitária - e incoerente - que da mesma maneira solapava a instituição do escravismo. O que por si só ameaçava o Império... Cuja econômica dependia do trabalho escravo. Assim, menos escravos menos produtos, logo inflação...

Pois bem. Desde então cogitou-se em guerras e enfim haviam os neo persas lá nas fronteiras do Império - o que tornava as expedições bastante onerosas... Acontece que os mesmíssimos Cristãos que afirmavam a fraternidade humana e condenavam os maus tratos aos escravos ou mesmo a escravidão condenavam com ainda mais veemência e uniformidade as guerras de conquista ou o espírito agressivo e belicoso. E isto a ponto dos antigos elderes, como Tertuliano e Hipólito, dentre outros, condenarem o serviço militar. Não porque empregasse a força mas porque estava a serviço da agressão, do ataque e do imperialismo.

Os Cristãos jamais foram perseguidos por motivos de ordem religiosa ou credal porque os romanos eram tolerantes e não se ocupavam de tais assuntos. E os judeus podiam bem podiam viver no Império sem ser molestados, em parte é claro por não serem proselitistas, mas sobretudo por não serem contra a escravidão ou contra a guerra. Os Cristãos além de abolicionistas e anti imperialistas eram proselitistas e buscavam converter os pagãos a sua fé... Isto atingia em cheio o coração do Império pois mexia com sua estrutura sócio econômica, e o Legislador prudente não podia permiti-lo.

Foi a praxis social dos Cristãos e não sua fé ou teologia, assim sua recusa em adorar os deuses da multidão que resultou nas terríveis perseguições. Os Cristãos não juravam face aos estandartes e não reverenciavam o Imperador. Eram anti sociais, traidores e apátridas por isso mesmo odiados. O império romano e os cidadãos mais inteligentes sabiam que a cultura estava sendo boicotada.

Veja o pandemônio que esta opção ou prática provocou ao longo do tempo. Foi uma luta de vida e morte. A sobrevivência desta religião revolucionária e desta ética humanista implicava a morte do Império tal e qual o socratismo... curiosamente os cristãos - como os antigos socráticos de Atenas - devido a sobriedade de suas vidas eram a parte melhor preparada do império para combater, e justamente eles não queriam combater. Já as massas amolecidas pelo pão e circo ou degeneradas pelo luxo não o podiam, inda que quisessem.

A míngua de guerras o número de escravos foi paulatinamente diminuído e assim as próprias riquezas do erário, já devastadas por Neros, Calígulas e Domicianos... já repassadas as massas sob a forma de subsídios alimentares... Uma vez que podiam ser alimentados na cidade não queriam os homens, em sua maior parte entrar no exército e defender as fronteiras. Momento houve em que mercenários de origem germânica - os quais viviam na periferia do Império - tiveram de ser contratados e pagos... Mais despesas para o Império.

Escravos que era bom não se obtinham e daí resultou, a partir do final do século II uma inflação galopante que jamais cessou de crescer e que convulsionou as bases do Império em que pese o tabelamento de preços imposto por Diocleciano. Tuto, tudo foi em vão. Sem escravos a produção foi parando e os produtos se tornando cada vez mais caros... Tendo em vista manter o sistema de repasses ou os subsídios alimentares, só restou ao Império aumentar os impostos ou melhor taxar a produção agrícola, em parte fruto do trabalho livre. Foi dar os pés pelas mãos... Pois os agricultores fossem pequenos ou grandes não podiam pagar os trabalhadores e os impostos. Resultado: Uma parcela cada vez maior deles começou a abandonar os campos e partir para os grandes centros urbanos, em especial Roma, onde podiam viver de subsídios... Até que o governo imperial prendeu os pequenos cultivadores e os trabalhadores livres a terra, segundo muitos dando origem ao sistema feudal auto sustentável, ao menos nas Vilas.

Num determinado momento teve o Império de decidir entre manter os subsídios alimentares ou manter as fronteiras e é claro que optou por manter os subsídios e desguarnecer as fronteiras. O resto é já sabido - Os germânicos, empurrados pelos hunos, atravessaram as fronteiras... Até que mesmo os subsídios cessaram de ser fornecidos, momento em que as Igrejas Católicas ou episcopais assumiram a tarefa de alimentar as multidões de pobres que viviam nos grandes centros urbanos e viriam a ser aniquiladas pelas invasões e suas consequências, como por exemplo a peste.

O Epílogo é que em 410 Roma foi tomada por Alarico e em 476 o Império estalou e ruiu sob Rômulo Augusto.

E por que ruiu o Império?

Porque suas bases e fundamentos sociais mais remotos estavam assentados sob uma base desumana, anti natural e cruel assim a belicosidade e as guerras de conquista assim o escravismo. Criado desta forma o império romano só podia subsistir enquanto tais valores não fossem questionados. Nem sabiam os romanos bem intencionados ou os Cristãos ou que fazer no sentido de reformar socialmente o Império, pois nada sabiam em termos de Sociologia ou de ciências sociais e nem seria fácil substituir o trabalho escravo pelo trabalho assalariado e livre aquele tempo. Seja como for a escravidão tinha de ser removida e as guerras de serem questionadas.

Maquiavel e Gibbon estavam completamente certos e não temos que nutrir qualquer sentimento de culpa devido ao fato do Cristianismo, com sua moral prática e humana, ter colaborado ativamente para a destruição de um Império cujas bases não eram sadias ou éticas mas desumanas. Desabou o Império romano por ter sido edificado sobre fundamentos podres e carcomidos e não poderia ter deixado de desabar e de desabar fragosamente. Não é algo para se lamentar ou chorar mas para se vangloriar.

Afinal o Cristianismo antigo ou Católico chocou-se com esta estrutura opressora, chamada Império, justamente por ser portador de valores novos ou distintos como a dignidade da pessoa humana e a sacralidade da vida, valores perenes, imortais e gloriosos que o espírito romano supinamente ignorava.

Resta concluir estabelecendo que ao menos em parte o Renascimento, mais romano do que grego, muito literário e nem sempre humano, mais individual do que comunitário ou social, equivocou-se cabalmente ao vivificar tais valores como o espírito belicoso ou agressor e o desprezo pelas pessoas mais simples e humildes, a ponto de reviver aquele mesmo espírito insensível e desumano que amiúde manifestou-se nos escritos que os principais advogados do paganismo lançaram contra o Cristianismo. E a suprema objeção era de que o Cristianismo violava a barreira das 'classes' ou categorias sociais, aproximando as pessoas. Isto era intolerável aos olhos dos bons romanos para os quais eram os escravos seres inferiores, desprezíveis e sem direito algum... Se bem que os ditos humanistas italianos, como Maquiavel e Guicciardini, não tenham dado largas a tais pensamentos não duvido que os tenham acalentado.

Agora quanto ao espírito de violência, conquistam agressividade e imperialismo não souberam dissimular, apresentando a ética Cristã da violência defensiva como inadequada e tosca a preservação das liberdades cívicas, o Cristianismo como responsável por efeminar a Sociedade, o sentido humano do Evangelho por torna-la frágil, vulnerável e indefesa. Eles viam apenas derrota e insucesso onde não havia delírio de conquista... O Cristianismo era para eles uma acovardamento, uma queda de ideais, um declínio, uma corrupção, pura treva... Era o principal inimigo de um Estado forte, coeso e expansionista. Era o supremo obstáculo aos imperialismos. Claro que eles de referem ao Cristianismo autêntico e não ao neo Cristianismo protestante, favorável a violência, a agressividade, ao imperialismo, etc por via do antigo testamento. Guicciardini disse que teria amado Lutero com todas as forças pois Lutero como Hutten e Munzer era profeta da violência, desde que não fosse direcionada contra quem deveria, os reis, os senhores, os opressores, os dominadores... com os quais o reformador das alemanhas identificava-se, pelo simples fato de terem apoiado e ampliado sua reforma...

Posteriormente os mesmos argumentos apenas ensaiados pelos humanistas neo pagãos seriama assumidos e desenvolvidos por Hobbes e enfim por Rousseau, ao mesmo tempo em que Gibbon estabelecia processo contra o odiado Catolicismo incriminando-o por ter demolido aquele 'belo' Império escravista e conquistador no qual os seis mil sobreviventes envolvidos na Rebelião de Spartaco foram crucificados as margens da via Ápia... Mas... que se esperar de uma religião fundada por um marceneiro e divulgada por pescadores? De uma religião cujo fundador não teve escravos? De uma religião cujo fundador foi executado pelo Estado judaico e condenado a pena capital? De uma religião cujo fundador não fazia acepção de pessoas... O único resultado esperado e previsível é que se chocasse com a máquina do império, que a destruísse e lança-se os fundamentos de uma nova civilização, alias salvando os fragmentos mais nobres da antiga...

Felizmente, foi o que aconteceu, por força de coerência, justamente porque os ideias éticos do Cristianismo ainda não haviam sido falseados.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Algumas considerações sobre o declínio da República romana e a 'Pax augusteana'

Embora Montesquieau, Gibbon, Sismondi, Ferrero, Villa e tantos outros tenham buscado analisar e compreender a queda do Império romano, compreendida como seu progressivo colapso de Comodo (190) a tomada da cidade por Alarico, os teóricos renascentistas, por identificarem-se com a forma republicana - vigente nas cidades do Regnum Italicum desde 1085 - concentravam suas inteligências buscando compreender o declínio da República e a retomada da forma monárquica sob Júlio César.

Maquiavel, num golpe de gênio, intuiu que para compreender o que estava sucedendo as repúblicas italianas de seu tempo ou a sua idolatrada Florença, devia voltar-se para o passado e estudar o declínio da República romana, buscando suas causas. E no final do 'Discorsi' (1525? - Maquiavel com objetivos oportunistas costumava alterar as datas de suas obras) acaba por abraçar a tese polibiana - ora Spengleriana - em torno dos ciclos de civilização. Segundo a qual, ao modo dos homens, as civilizações nascem, crescem, enfermam e morrem.

Já nos referimos diversas vezes a esta construção. No entanto, como repetir é a um tempo ensinar e fixar ou reaprender: Todas as cidades eram governadas por príncipes, as vezes eletivos ou mesmo provisórios. Num determinado momento tais príncipes fizeram-se hereditários e a hereditariedade, naturalmente, descambou em tirania ou despotismo. Desde então principiaram a conspirar os aristocratas, até que efetivamente tomam o poder. Passadas algumas gerações converte-se a aristocracia numa oligarquia opressora. O povo no entanto, por ter retido na memória a felonia dos nobres ou optimates, derruba a oligarquia e converte-a em democracia ou governo popular, o qual não tarde em degenerar, transformando-se em oclocracia, demagogia ou anarquia... condições em que a monarquia é restaurada. Iniciando-se um novo ciclo.

Antecipando uma possível pergunta sobre a melhor solução possível quanto a retardar este processo degenerativo e prolongar a estabilidade, a sugestão, aprimorada por Aristóteles, encontra-se no Diálogo platônico 'As leis' e consiste no afamado governo misto ou republicanista. O qual o filósofo com suma prudência declara ser o melhor de todos. Implica ele fugir as formas puras e misturar monarquia, aristocracia e democracia. E já se divisa uma espécie de poder moderador inserido numa estrutura bi cameral. O rei, cônsul ou presidente - eleito periódica ou vitaliciamente - encarna o princípio monárquico, o pequeno senado a forma aristocrática e o grande conselho de cidadãos ou o comício a forma democrática e já se vê que temos diante de nós a Constituição da República romana, ainda mais favorecida por instrumentos como o plebiscito e o referendo, além do tribunato.

Satisfeita a possível pergunta devo tornar a desilusão maquiavélica e a petição que faz ele em torno da História para advertir que Guicciardini, seu jovem amigo e antagonista intelectual, antecipa as críticas de um Dilthey, de um Winbeldand, de um Eucken ou de um Marrou em torno de um processo histórico mecanicista, estrutural, rígido, formal, inelutável e absolutamente previsível quando não determinista. Sem negar que haja um ciclo civilizacional inelutável, Guicciardini insiste que certos atos ou fatos, quer repercutem nesse quadro, procedem do acaso ou da ação livre dos homem, não podendo ser compreendidos como resultantes de uma Lei fixa e rígida. Dentro deste quadro há considerável variação ou diversidade.

Em certo sentido Guicciardini - perdoem o anacronismo - parece insinuar o paradigma da compreensibilidade, tendo em vista a ação de elementos estocásticos ou humanos que fogem a rigidez monolítica da Estrutura. E antecipar a noção de tendências predominantes, face a noção de Leis imutáveis.

Agora tornando a república romana, sendo provida duma estrutura tão arrojada e eficaz, por que teria colapsado?

Autores de diversa lavra e separados por séculos uns dos outros - assim Bruneto Latini, Mussato, Salomonio... e mais próximos a nós: Polanyi, Arendt e mesmo Durkheim - referem-se a avareza, a busca pela riqueza privada, o aumento da desigualdade social, enfim, algo em torno das finanças ou da economia.

Para Durkheim as relações financeiras ou econômicas tendem a isolar socialmente os homens ou a afasta-los. Arendt gasta farta quantidade de papel e tinta com o objetivo de demonstrar que a expansão da esfera do econômico ou privado ocorreu as custas da diminuição da esfera do político ou público com a consequente perda de qualidade. Para Polanyi o economicismo contemporâneo destruiu os laços de solidariedade existentes nas culturas antigas e primitivas. John Gray, Roger Scruton e Russell Kirk tiveram de admitir, de bom grado ou a contra gosto que o liberalismo econômico punga contra o sentido comunitária presente nas culturas e civilizações tradicionais, o que por sinal já havia sido demonstrado fartamente por R Guénon.

No que diz respeito a Roma e o eclipse das virtudes republicanas a questão da concentração da riqueza por particulares, do luxo e da suntuosidade já havia sido apontada por mestres clássicos como Salústio e Juvenal, a quem seguiram Latini, Mussato, Salomonio, etc Alias, esta sugestão já havia sido desenvolvida por Agostinho e enfim por Ibn Khaldun num sentido que faz lembrar a Sócrates. Mesmo porque as civilizações antigas eram basicamente militares.

De fato os romanos assomam a História como um povo agro pastoril, cujos hábitos eram frugais, sóbrios ou quase ascéticos, e que por isso mesmo, ameaçados a um lado pelos poderosos e refinados Etruscos - que lhes impuseram a realeza até 509 a C - e a outro por oscos, samnitas, etc tornaram-se belicosos. O ambiente político da Itália, sua instabilidade e insegurança, definiu as qualidades militares dos antigos romanos.  E estes jamais cessaram de expandir-se pela península até domina-la.

E assim correram as coisas até as guerras púnicas ou ao menos até 146. 146 é uma data chave na História da civilização romana. Pois foi neste ano de Cipião, vencendo Anibal em Zama, conquistou e destruiu Cartago. Enquanto L Múmio destruia a soberba Corinto e conquistava a Grécia. Desde então escravos e riquezas inimagináveis afluíram a Roma e ela jamais foi a mesma. Pois como diria o já citado Juvenal, os romanos entrando em contato com outros, povos 'mais avançados' se deixaram conquistar pelos hábitos deles. Abandonando a frugalidade ancestral do mingau e das azeitonas, e tornando-se ainda mais ambiciosos.

No entanto eles ainda aspiravam por lutar e por conquistar as joias da coroa, assim a Síria e o Egito, antigos principados helenísticos e as nações mais ricas da terra, com exceção talvez da longínqua Índia... E de fato vieram a conquistar a Síria em 63 sob Pompeu Magno e o Egito em 31, após Augusto ter vencido Marco Antonio - em Accium - e fechado o circuíto do Mar mediterrâneo, agora 'Mare nostrum' ou lado privado dos latinos.

Agora consideremos as consequências de tudo isto.

Se já era difícil congregar o povo em comícios para decidir a respeito da cidade ou da Península como governar um Império gigantesco recorrendo ao povo e em tese a um povo romano espalhado por todo este Império? Se Salutati, Bruni, Patrizi e muitos outros referiam amiúde ao desafio que era congregar o povo de Florença, que dizer dos cidadãos do Império romano? A estrutura do macro estado associada a precariedade dos meios de transporte e comunicação, tornou o exercício do poder popular impensável. Sartori redefiniu nossa situação nos mesmos termos em meados do século XX. Mas estamos falando do século I a C... Sendo assim temos de admitir que um governo centralizado condizia melhor situação geográfica ou espacial do Império. Mesmo os atenienses do século V a C ou os humanistas italianos do trezentos ou do quatrocentos admitiriam a distinção... Diante disto que sacrificar? O Macro estado ou as formas democráticas?

Outra consequência - a somar-se com a econômica e com a política - é de origem militar. Mais conquistas e escravos demandavam mais guerras e mais guerras demandavam maior efetivo militar. Nos últimos cem anos da República foi Roma uma nação em campanha... E como sabemos o éthos militar - cf Nisbet - nada tem de democrático. Os Filósofos gregos e os primeiros Cristãos sabiam-no muito bem... Uma situação de conflito prolongado numa dimensão democrática não tarda a engendrar duplicidade. Por isso que das Revoluções procedem regimes autoritários (Nisbet). Tal o caso de Roma, desde o momento em que prolongou o comando dos ditadores. A partir de então alguns generais passaram a conviver por anos a fio com as mesmas tropas, a ponto destas converterem-se em clientes, lacaios ou cabos eleitorais seus. Não é por acaso que Caio Mario e Sila tiveram exércitos seus, com fidelidade jurada. E servindo-se deles puderam subverter a república, a este tempo convertida em aristocracia de poltrões senatoriais, com exclusão do povo. Por isto Sila ao penetrar o recinto da cúria com suas tropas acusa os senadores de covardia e declara que o povo nem os amava nem choraria ou lutaria por eles.

Júlio César com seus dedicados veteranos esta apto para colher o fruto maduro i é o poder Imperial, restabelecendo a monarquia.

Pois as elites estavam completamente corrompidas pelo luxo ou amolecidas.

Enquanto o povo, antes aguerrido, temos em Juvenal, passou a ser controlado pela política do 'panem et circenses'. Desde as vésperas da conquista de Cartago, pugnavam os plebeus - a gente comum - por um parte mais significativa no 'butim' ou saque que os romanos levavam aos povos vizinhos. Assim, no ano 123, sob Caio Graco, obtiveram a suprema igualdade e a redução do preço do trigo. E desde 59 pela lei Clódia, passam a ser alimentados pelo Estado, com a distribuição de rações de trigo. Desde então o Senado se sente completamente seguro. Pois o povo se acalma por completo, e abandona a arena da política.

Garantidos alguns diretos básicos e o alimento quotidiano acomodou-se a plebe.

Desde então puderam os líderes militares mais espertos, com a ajuda de suas tropas, exercer o poder sem quaisquer objeções.

Augusto foi um homem esperto, que soube colher os frutos semeados por seu tio, e em comunhão com a elite militar, completar as ansiadas conquistas e exercer um poder discreto. Foi o homem de seu tempo. Pois o declínio da República, iniciado por Mário e Sila, antecipou o caos que haveria de ser o século III d C, o qual teria antecipado o fim do Império. Prolongando-se indefinidamente o conflito entre os generais pelo comando supremo do Império. Os próprios militares do tempo de Augusto devem ter dado conta disto. No entanto nem o povo nem o senado estavam dispostos a lutar pelas antigas liberdades. Como as barrigas e os cofres estavam cheios tudo quanto eles queriam era paz e sossego ou estabilidade para gozar a vida. E como ninguém mais estivesse disposto a combater, os militares, juntamente com Augusto puderam assumir o poder, mantendo, ao menos em princípio as aparências.

A República havia declinado, indubitavelmente, mas não o poder romano. Pois por duzentos anos manteve-se o Império e até conquistou, em que pese a derrota de Teutberga, sob Varus. Ao menos até Cômodo, foi o Império um período de estabilidade e assim de recuperação, após o ocaso vergonhoso da República. Claro que não podemos compara-lo com os tempos dos Mânlios, dos Camilos ou dos Cipiões... No entanto após Mario, Cina, Sila, César, Crasso, Pompeu, Brutus e Cássio foi ele um refrigério.